Toda pessoa tem direito à integridade física – mesmo uma criança

Por que uma pessoa ou um casal decide ter filhos? Ou, reformulando a pergunta: por que alguém decide se reproduzir?

No Ocidente, casar ou viver maritalmente e ter filhos são considerados hoje opções e não obrigações, muito embora a maioria das pessoas solteiras sintam constrangimento pela vida celibatária, a solidão persistindo como um signo de fracasso social, e julguem que precisam se casar ou encontrar um companheiro ou uma companheira, do contrário jamais experienciarão uma vida plena. A paternidade e a maternidade também deixaram de ser consideradas obrigações. Todavia, são opções e, concomitantemente, fatos naturais. Raramente alguém se faz as seguintes perguntas: por que eu quero ser pai? por que eu quero ser mãe? por eu desejo ter um filho? A vontade de ter filhos dispensa uma justificação racional, o desejo sendo justificado pelo próprio desejo. Prevalece não os interesses do filho a ser concebido ou em gestação – ou que se pretende adotar –, mas os do(s) adulto(s). Sendo a paternidade e a maternidade compreendidos como fatos naturais, homens e mulheres adultos não costumam se perguntar: tenho eu condições emocionais de ser um (bom) pai ou uma (boa) mãe? o que tenho eu a oferecer a uma criança?

O direito que assiste a um pai e a uma mãe de castigar fisicamente os filhos se assenta em um duplo fundamento. Primeiro. A criança é um outro em uma relação de dominação. Como a mulher, o negro, o índio, o homossexual, a criança se caracteriza por possuir um défice, que justifica que seja mantida dominada. Segundo. A criança é uma posse. Na maioria das famílias brasileiras, o pai e a mãe podem dispor livremente dos corpos infantis dos quais são possuidores. A criança não se constitui como sujeito, é constituída como um objeto. Consequentemente, não é detentora de direitos. Se o é, seu direito à integridade física pode ser excepcionado em situações em que o direito de um adulto não poderia sê-lo, ou seja, em situações que não se configuram como de legítima defesa.

Se se considera a criança não um objeto, um pertence, mas um indivíduo cuja alteridade deve ser reconhecida e respeitada, um sujeito portanto, não resta possibilidade de que os direitos do pai e da mãe possam se sobrepor aos direitos dos filhos. Torna-se irrelevante discutir se, em determinadas circunstâncias, uma palmada é ou não necessária, se uma palmada é ou não traumática. A criança é um sujeito e a integridade física do outro, salvo em legítima defesa, deve ser respeitada, incondicionalmente.

Aos pais que invocam o direito de bater nos filhos uma sugestão: experimentem o sadomasoquismo. Provavelmente encontrarão um adulto que gosta de se fantasiar de criança e de apanhar, em quem poderão bater consensualmente.

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