Um relato pessoal sobre a polícia pacificadora do Pavão Pavãozinho

Primeira foto: moradores do morro Pavão Pavãozinho ou do morro Cantagalo mostram para policiais militares um homem ferido, talvez morto, estendido sobre o chão.

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Segunda e terceira fotos: moradores do morro Pavão Pavãozinho ou do morro Cantagalo carregam o homem ferido ou o corpo do homem morto. Seu rosto, seu peito, sua barriga, seus braços, suas pernas estão ensaguentados.

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Quarta foto: policiais militares carregam o homem ferido ou o corpo do homem morto.

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O local é a ladeira Saint-Romain, no ponto de seu entrecruzamento com a rua Sá Ferreira, em Copacabana. A data, 22 de abril de 2014, noite do protesto dos moradores do morro Pavão Pavãozinho e do morro Cantagalo contra o assassinato de Douglas Rafael da Silva Pereira, o dançarino DG. O corpo ensaguentado de DG foi encontrado em uma creche do Pavão Pavãozinho. Ele morreu devido a uma hemorragia interna decorrente de uma laceração pulmonar provocada por um objeto – uma bala? – que perfurou seu tórax. Seu corpo apresentava sinais de espancamento, de acordo com sua mãe. O homem ferido ou morto que aparece nas fotos era Edilson da Silva dos Santos, que chegou morto ao Hospital Miguel Couto, devido a um ferimento de bala na cabeça. Ele foi baleado durante o protesto.

Mudei-me para a cidade do Rio de Janeiro, ondo resido atualmente, há um ano. Inicialmente, morei em Copacabana, na rua Sá Ferreira. Todas as noites, há policiais militares a postos no ponto onde essa rua e a ladeira Saint-Romain se interceptam. Policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Diariamente, eu passava pelo entrecruzamento da rua Sá Ferreira e da ladeira Saint-Romain ou ao lado, andando pelo lado oposto da rua.

Em uma noite de junho de 2013, após voltar do trabalho, saí de casa para comprar pão em um dos supermercados próximos. Ao atravessar a ladeira Saint-Romain, vi um rapaz que a descia ser abordado pelos policiais de plantão. Aparentemente, ele, que trajava bermuda, camiseta e chinelos, cometera o gesto suspeito de tão-somente descer a ladeira. Preocupado com sua segurança, parei e decidi acompanhar a abordagem. O rapaz tinha sido obrigado a se posicionar contra um muro e estava prestes a sofrer um baculejo. Um dos policiais – que era negro, como a maioria dos moradores do morro Pavão Pavãozinho e do morro Cantagalo – percebeu minha presença e me chamou. Fui a seu encontro. Como o rapaz, eu também fui obrigado a me posicionar contra o muro e também sofri um baculejo. Em seguida, o policial que me abordara perguntou-me, em tom arrogante e irascível, se eu conhecia o rapaz e se estava com ele. Ele sabia que não. Em face de minhas respostas negativas a ambas as perguntas, o policial iniciou uma sessão de intimidação: se eu não conhecia o rapaz, se não estávamos juntos, por que eu estava olhando? Assustado, tentei manter a calma e argumentar que toda pessoa tem o direito de acompanhar uma ação policial. Minha resposta o irritou ainda mais. Ele negou que eu tivesse esse direito, perguntou-me se eu estava olhando para julgar a ele e a seu colega e afirmou que ninguém se prontificava a ajudá-los, mas todos queriam julgá-los. (Naqueles dias, os policiais, sobretudo os da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, deparavam-se, no decurso das jornadas de junho, com uma resistência popular inédita a suas ações arbitrárias e violentas, sentindo-se acuados.) A partir desse momento, mantive-me calado, pois percebi que não havia nenhuma possibilidade de um diálogo razoável com aquele policial que me negava o direito de acompanhar a atuação de dois servidores públicos (militares) em um espaço público.

O rapaz foi liberado. Eu fui liberado.

Sou um homem branco, de classe média, que morava em Copacabana – e fui tratado dessa forma por policiais da PMERJ, por ter cometido o crime de acompanhar uma abordagem policial. Quantas vezes DG e Edilson, assassinados provavelmente por policiais militares, não sofreram, antes de morrerem, um tratamento similar ou pior ou muito pior, perpetrado por policiais? DG e Edilson eram negros e favelados. Quantas vezes seus parentes, seus amigos, seus vizinhos não sofreram um tratamento similar ou pior ou muito pior, perpetrado por policiais?

O Pavão Pavãozinho e o Cantagalo são favelas classificadas como pacificadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. Contudo, como uma comunidade pode ser considerada pacificada se está sob ocupação militar? Que gênero de paz é esse que apenas pode ser garantido pela intervenção contínua e ininterrupta de uma força militar policial – a qual, supostamente, deveria proteger os moradores da comunidade, mas os trata a todos como suspeitos, criminosos em potencial?

O que aconteceu comigo naquela noite evidencia um dos problemas estruturais das polícias brasileiras, não apenas da polícia militar: o fato de que os policiais – os quais, pois é sempre importante reiterar, são, todos eles, servidores públicos – se consideram acima das leis e da justiça. No Brasil, as polícias não estão a serviço da população, não existem e não atuam com a finalidade de servir a população, mas com o objetivo de assegurar a conservação da ordem pública. Para garantir a manutenção dessa ordem pública, os policiais – orientados por representações e valores racistas e classistas, ou seja, orientados, portanto, por um imaginário e uma moralidade estruturados contrariamente à dignidade humana, à democracia e aos direitos – reputam-se autorizados a utilizar todos os meios violentos disponíveis, seja contra os indivíduos que corporificam signos das representações dos personagens perigosos e essencialmente ameaçadores à ordem, seja contra os indivíduos que, embora não corporifiquem signos das representações de personagens perigosos, terminam, em decorrência de suas ações, por se revelar, da perspectiva policial, como ameaçadores à ordem. O rapaz que eu vi descer a ladeira Saint-Romain e ser revistado pelos policiais militares pacificadores era perigoso porque corporifica o personagem do favelado, constituindo uma ameaça essencial à ordem. Eu fui considerado perigoso porque cometi o crime de acompanhar uma ação policial. Meu ato de testemunhar era ameaçador porque consistia em uma tentativa de questionamento da legitimidade da revista policial em curso, a qual era obviamente arbitrária. Na medida em que as polícias não se orientam pelas leis e pela justiça, mas pelos imperativos do seu imaginário e da sua moralidade particulares, representam a ordem que devem preservar não como pública, comum a todos, mas como um objeto do qual são as proprietárias, o que autoriza os policiais a interpretarem qualquer ameaça a sua propriedade privada como uma ameaça a eles mesmos e às instituições às quais pertencem. Uma ameaça – imaginária ou real – à ordem é uma ameaça às polícias. Uma ameaça – imaginária ou real – às polícias é uma ameaça à ordem.

O que aconteceu comigo naquela noite foi horrível. Voltei para casa transtornado, sentindo-me agredido e impotente. Entretanto, foi somente um susto, nada mais, em comparação com as violências policiais que, todos os dias, vitimam os moradores do Pavão Pavãozinho e do Cantagalo, bem como toda a população negra ou pobre ou moradora de rua do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil.

“A mulher arrastada” – corpos violentáveis e a naturalização da violência policial

Não estamos todos perplexos com a morte de Cláudia Silva Ferreira – mulher, negra, pobre, casada, mãe de quatro filhos, moradora do Morro da Congonha, em Madureira, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, que trabalhava como auxiliar de serviços gerais no Hospital Naval Marcílio Dias e era responsável pela criação de quatro sobrinhos.

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Claudia Silva Ferreira 01

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Para a mídia corporativa, Cláudia Silva Ferreira não é uma mulher que foi assassinada, barbaramente assassinada, por policiais militares do Estado do Rio de Janeiro, mas a mulher arrastada por policiais militares. Nos últimos dias, a retórica eufemística do jornalismo brasileiro, deliberadamente orientada a evitar todo estímulo à indignação coletiva contra a injusta ordem pública de cuja preservação a polícia militar é uma das principais responsáveis, atingiu o paroxismo. O significante ‘arrastado’ foi empregado não apenas como um adjetivo, mas também como um substantivo, como, por exemplo, em três manchetes do portal de notícias G1, das Organizações Globo: “Moradores fecham via após enterro de arrastada por carro da PM no Rio”, “‘Meu pai não vai conseguir cuidar de todos’, diz filho de arrastada por PMs”, “Arrastada por carro da PM do Rio foi morta por tiro, diz atestado de óbito”.

Muito provavelmente, o assassinato de Cláudia Silva Ferreira não teria sido noticiado ou teria sido noticiado sem destaques, como uma das muitas mortes que, todos os dias, ocorrem em confrontos com policiais militares nas cidades brasileiras, caso ela não tivesse sido arrastada por uma viatura policial. Seria reportado, se fosse, exclusivamente como um efeito colateral ou um excesso policial ou um erro. Uma baixa inocente e lamentável, mas inevitável, na guerra necessária contra o crime organizado e o tráfico de drogas. Todos sabemos, a guerra é a única forma possível de se enfrentar o crime organizado e o tráfico de drogas. Não que a morte de Cláudia não esteja sendo noticiada dessa maneira, como um não-homicídio. Está. Afinal, na maioria das reportagens, ela não é a mulher assassinada ou, ao menos, a mulher morta por policiais militares, mas “A mulher arrastada” ou, tão-somente, “A arrastada”. O vídeo de Cláudia Silva Ferreira sendo arrastada por cerca de 350 metros, ao ser transportada a um hospital na caçamba de uma viatura da PMERJ, atraiu a atenção da mídia corporativa, convertendo seu assassinato em notícia, mas possibilitou também, convenientemente, que a comoção coletiva pudesse ser desviada do fato de ela ter sido assassinada para o fato de ter sido arrastada por policiais militares. Decerto, o arratamento de um indivíduo, em si, corporifica um ato bárbaro, consistindo em um fato demasiado grave. O problema é que Cláudia Silva Ferreira não foi apenas arrastada por policiais militares, mas também assassinada por policiais militares. Contudo, a mídia corporativa e o poder público têm silenciado o segundo fato.

Em face de atos de violência policial como o assassinato de Cláudia Silva Ferreira, os arautos do bom senso exortam-nos a sermos cautelosos, alertando-nos para o perigo de não separarmos o joio do trigo, para o risco de jogarmos fora a criança com a água do banho: há bons policiais, não podemos esquecer.

A polícia militar brasileira é uma instituição que exige de seus membros a incorporação total de seu imaginário, de sua moralidade e de seu código de conduta. Os soldados devem incorporar as representações, os valores e os hábitos da instituição, sem jamais duvidar de sua necessidade e justeza, sem nunca questioná-los, mesmo se não estiverem inscritos em nenhuma lei do ordenamento jurídico. Os pontos situados fora da curva não são, para utilizar o vocabulário pessoalista que reduz problemas sociais a desvios de caráter, os maus policiais, mas os bons policiais. A estrutura da polícia militar está estruturada para produzir a figura do policial agressivo e que sistematicamente desrespeita os direitos. A polícia militar não é uma instituição que apresenta problemas, mas constitui, por si mesma, devido a sua estrutura, um problema social. Os três policiais militares que assassinaram Claudia Silva Ferreira, dois subtenentes e um sargento, estão envolvidos em sessenta e dois autos de resistência ou resistências seguidas de mortes, sendo responsáveis por sessenta e nove mortes. Somente um dos subtenentes está envolvido em cinquenta e sete autos de resistência, tendo assassinado sessenta e três pessoas!

A violência policial, que na sociedade brasileira adquiriu a dimensão de um hábito, passando a ser naturalizada e tacitamente justificada, motivo pelo qual não nos surpreende e não nos indigna, dirige-se, antes de tudo, contra os corpos que nossa cultura significa como passíveis de ser violentados: corpos índios, corpos negros, corpos pobres ou miseráveis, corpos femininos cisgêneros, corpos transgêneros, corpos não-heterossexuais. Não obstante, não são esses os únicos corpos que podem ser violentados pela polícia militar. Repete-se que, nas áreas nobres das cidades, os policiais militares não agem da mesma forma pela qual se conduzem nas favelas e nas periferias. Todavia, há dois equívocos nessa verdade autoevidente. (1) Aos corpos classificados pela cultura como passíveis de ser violentados está sempre sancionado dispensar uma atuação violenta, não importa o local onde estejam posicionados. (2) Embora a cultura opere uma clivagem entre corpos violentáveis e corpos não-violentáveis, a qual é reconhecida e seguida pela polícia militar, esta opera uma segunda clivagem, entre indivíduos ameaçadores à ordem e indivíduos não-ameaçadores. Em uma situação de conflito entre as duas clivagens, prevalece a segunda. Os corpos classificados como violentáveis compreendem justamente os indivíduos representados como ameaças naturais à ordem. Contudo, um indivíduo cujo corpo em princípio seja não-violentável pode tornar-se, ou melhor, pode terminar revelando-se um indivíduo ameaçador à ordem. Todo indivíduo que constitua uma ameaça à ordem pode ter seu corpo violentado, ainda que seu corpo não fosse classificado, anteriormente, como um corpo violentável.

Quem define quem são os indivíduos ameaçadores à ordem? A própria polícia militar. Essa foi a lição que parcela da população brasileira, branca e de classe média, aprendeu durante as revoltas de junho de 2013. Reitero o que escrevinhei à época. “As representações, os valores e os hábitos da polícia [militar] são representações, valores e hábitos militares, constitutivos de uma instituição cuja finalidade é a guerra. Virtualmente, o inimigo contra o qual a polícia deve guerrear e contra o qual se encontra em estado de guerra permanente não é apenas uma parcela da população, aquela que configuraria uma ameaça – imaginária ou real – à ordem, mas toda a sociedade”, na medida em que todo indivíduo pode terminar revelando-se uma ameaça à ordem, sendo reduzido a um corpo violentável. No decurso das revoltas do ano passado no Rio de Janeiro, um hospital público e uma organização não-governamental de assistência a crianças e adolescentes carentes soropositivos foram considerados locais que abrigavam indivíduos ameaçadores à ordem, sendo atacados com bombas de gás lacrimogêneo.

Lamentavelmente, talvez somente consigamos extinguir a polícia militar se e quando a parcela da população cujos corpos são, em princípio, não-violentáveis tornar-se, da perspectiva dos policiais militares, uma ameaça à ordem e objeto sistemático da violência institucionalizada.

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Claudia Silva Ferreira 02

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Vai ter Copa – mas não vai ter Copa!

Evidentemente, vai ter Copa! De um jeito ou de outro, vai ter Copa! Sim, vai! Infelizmente!

Nós, que dizemos ou escrevemos “Não vai ter Copa”, não somos imbecis! Imbecil é quem interpreta apenas literalmente o significado de um enunciado. Nós sabemos que, infelizmente, vai ter Copa.

Obviamente, preferiríamos que fosse não ter Copa, mas sabemos que, sim, vai ter Copa. Infelizmente!

Como manifestação de discordância, “Não vai ter Copa” identifica uma tomada de posição, a delimitação de um espaço político outro, um lugar ex-cêntrico, marginal ao espaço nacionalista e desenvolvimentista construído pelos governos do PT e seus aliados partidários, pela FIFA, pela CBF, pelas empreiteiras, pela mídia corporativa, pelos patrocinadores oficiais.

Dizer ou escrever “Não vai ter Copa” significa posicionar-se contrariamente aos recursos públicos investidos em empreendimentos privados, às obras megalomaníacas e hiperfaturadas, às remoções e às, quando existentes, indenizações miseráveis; significa posicionar-se pela distribuição de renda, pelo direito à moradia e à cidade, pelo direito ao lazer e ao esporte, pela direito à educação e à saúde, pelo direito ao saneamento básico, pelo direito ao transporte, pelo direito à livre manifestação do pensamento e pelo direito de reunião, pela desmilitarização da polícia de segurança pública.

Nós temos o direito de discordar, de sermos dissidentes. Temos o direito de sermos contrários à Copa. Temos o direito de sermos antinacionalistas. Temos, inclusive, o direito de torcermos contra a Seleção Brasileira de Futebol. Temos o direito de resistir, inclusive violentamente, às arbitrariedades e violações promovidas pelo Estado. Vocês não têm o direito de nos retirar esses direitos!

Sim, vai ter Copa – mas continuaremos dizendo ou escrevendo “Não vai ter Copa”!

Vocês que, por desinformação ou desonestidade, defendem a Copa, vocês são cúmplices, ou melhor, promotores ativos de todas as irregularidades e barbáries que estão sendo perpetradas para a realização da Copa, bem como das muitas que ainda serão perpetradas. A Copa é de vocês! De vocês, que querem a Copa, que dizem ou escrevem: “Vai ter Copa”. Portanto, assumam suas responsabilidades! Assumam todas as irregularidades e barbáreis que estão provendo! Querem a Copa? Tudo bem! Vocês têm o direito de querer a Copa. Contudo, vocês não podem ter apenas uma parcela da Copa, aquela parcela que consideram bela e prazerosa. Se querem a Copa, devem tomar para si a Copa em todas as suas dimensões. A copa é de vocês – tanto a Copa do espetáculo, como a Copa das irregularidades e barbáries.

Nós não queremos nem uma nem outra Copa, porque sabemos que o espetáculo é indissociável das irregularidades e das barbáries. Recusamos o nacionalismo desenvolvimentista, o ufanismo alienante, explorador e excludente.

Vai ter Copa, mas para vocês. Para nós, não vai ter Copa, porque decidimos, conscienciosamente, não promover o circo de horrores e não aplaudir suas atrações.

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Bola da Copa do Mundo da FIFA de 2014

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Quem tem medo dos índios?

A necessidade de proteção contra a violência dos povos indígenas, fantasma terrífico que assombra atualmente os sonhos desenvolvimentistas do agronegócio e do setor hidrelétrico brasileiros, não é uma constante universal, uma necessidade atemporal, como argumenta, falaciosamente, a retórica do progresso. Não existe, de fato. Existiram e existem tão-somente experiências de necessidade de proteção contra atos de violência praticados por povos indígenas, atos de violência que se constituíram, espacial e temporalmente, como reações, no decurso de empreendimentos de colonização, na América Portuguesa, e no decurso de empreendimentos de colonização interna, que, iniciados após a formação do Estado brasileiro, permanecem sendo promovidos há quase duzentos anos.

A necessidade de proteção é um topos que se impõe na retórica do progresso em seguida à apropriação do território de um povo selvagem ou bárbaro por um povo civilizado. Conquistado o território, torna-se necessário protegê-lo contra as invasões bárbaras. A necessidade de proteção opera também como um topos justificador de novas conquistas, imprescindíveis à proteção efetiva do território apropriado mas ameaçado.

Os topoi que precedem ao da necessidade de proteção, com a função de justificar a conquista a ser empreendida, representam o território como (1) desabitado (sertão bruto) – independentemente de ser verdadeira a convicção na inexistência de vida humana ou de ser o território falsamente representado como desabitado –, (2) precariamente habitado ou (3) habitado por uma população inculta e primitiva, atrasada ou subdesenvolvida, cujo progresso o povo civilizado está obrigado a promover, elevando-a a um estágio civilizacional, mas não necessariamente ao seu, ao desprovê-la de sua alteridade, re(des)figurando-a como uma imagem, senão idêntica, ao menos assemelhável à sua.

O topos da necessidade de proteção contra a violência dos índios justificou a realização, no dia 7 de dezembro, do evento adequadamente denominado, da perspectiva da retórica do progresso, Leilão da Resistência, uma iniciativa dos produtores rurais de Mato Grosso do Sul, da qual participaram senadores, deputados federais e deputados estaduais, destinada à arrecadação de recursos financeiros para a promoção da segurança armada de fazendas sul-mato-grossenses contra invasões indígenas. Da perspectiva dos povos indígenas e dos não-índios que defendem os direitos indígenas, o evento deveria ter sido denominado Leilão do Extermínio.

O topos da inexistência de vida humana em um território – falacioso, no caso, pois na região vivem índios da etnia munduruku e comunidades tradicionaisfoi mobilizado, no dia 10 de dezembro, pelo jornalista Luis Nassif, para justificar a construção de uma usina-plataforma no rio Tapajós. De acordo com ele, “será a primeira vez que se construirá uma hidrelétrica em região não habitada”.

PS: é extremamente importante assinalar também o antropocentrismo em que se funda o discurso de Nassif. O fato de que a usina hidrelétrica seria construída em uma região desabitada é apresentado como suficiente para reduzir “os fatores de atrito com as entidades ambientais”: “[s]erá um empreendimento localizado em ponto bem específico e sem implicações ambientais”. Os impactos do projeto são medidos exclusivamente pela régua antropocêntrica. Como (supostamente) inexiste vida humana no território, não serão produzidos impactos sobre seres humanos: logo, não serão produzidos impactos sobre o meio ambiente. Não por acaso, o texto não se refere a implicações sobre a natureza, mas a implicações ambientais, ou seja, a implicações sobre o meio ambiente. O meio ambiente é a natureza que existe apenas em função do humano e que, portanto, pertence por direito somente ao humano, pois no meio, parte equidistante dos diversos pontos da periferia, no centro do ambiente, domina solitário o humano. O meio ambiente é a natureza onde as formas de vida não-humanas estão relegadas às periferias, destituídas de direitos.

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[Aldo V. Silva] Manifestação do Fórum Social de SorocabaManifestação do Fórum Social de Sorocaba, em Sorocaba, a 9 de novembro de 2012
(Foto de Aldo V. Silva)

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Por quanto tempo continuaremos a achar que é normal sentirmos medo da polícia?

Os brasileiros aprendemos, muito cedo, a não confiar na polícia e a temer a polícia. Aprendemos, muito cedo, as formas pelas quais devemos nos comportar corretamente em presença de um policial. “Polícia”, “policial”: significantes que enunciamos cotidianamente significando, na maioria das vezes, não o conjunto dos órgãos policiais do Estado e todos os agentes policiais, mas com os significados de “polícia militar” e “policial militar”. Evidentemente, as polícias militares estaduais e do Distrito Federal, bem como as polícias civis e federais, possuem seus inimigos principais: o negro, o pobre, o miserável, sobretudo: o negro pobre ou miserável, elementos perigosos por natureza, cuja mera existência constitui uma ameaça à ordem que deve ser preservada.

A ordem: os órgãos policiais militares, que são “forças auxiliares e reserva do Exército” (Constituição da República Federativa do Brasil, art. 144, § 6º), não existem para salvaguardar os indivíduos, a sociedade, mas para garantir a preservação desta entidade abstrata, a ordem instituída pelo Estado e pelo capital, ou, na letra do texto constitucional, para realizar “a polícia ostensiva” e para preservar a “ordem pública” (Constituição, art. 144, § 5º).

Não obstante a polícia possua seus inimigos principais, que sofrem regularmente e mais intensamente a arbitrariedade e a violência policiais, o sentimento de não-confiança e de temor, o conhecimento das normas de comportamento não-escritas, tácitas, que o indivíduo deve obedecer quando em presença de um policial são um sentimento e um conhecimento compartilhados por toda a população. As representações, os valores e os hábitos da polícia são representações, valores e hábitos militares, constitutivos de uma instituição cuja finalidade é a guerra. Virtualmente, o inimigo contra o qual a polícia deve guerrear e contra o qual se encontra em estado de guerra permanente não é apenas uma parcela da população, aquela que configuraria uma ameaça – imaginária ou real – à ordem, mas toda a sociedade. Esse é o motivo pelo qual, todos nós, em maior ou menor grau, não confiamos na polícia, tememos a polícia e nos esforçamos para nos comportar corretamente em presença de um policial. Sabemos que a polícia não existe para nos salvaguardar, que, por qualquer motivo e a qualquer momento, todos podemos, ainda que alguns certamente com mais facilidade do que outros, ser considerados inimigos. Os terríveis acontecimentos que vem ocorrendo nas últimas semanas em diversas capitais – especialmente os que ocorreram ontem em São Paulo, quando a polícia atacou com extrema violência os manifestantes que participavam da passeata pela redução do preço da tarifa do transporte público, mas também jornalistas e muitos transeuntes que não participavam da manifestação – apresentam ao menos uma virtude: lembrar-nos de qual é a finalidade que fundamenta a existência da polícia militar e, consequentemente, nos recordar de que, para uma instituição em estado de guerra permanente, todos que não integram suas fileiras, os outros, são possíveis ameaças, possíveis inimigos que devem ser combatidos.

Por quanto tempo nós brasileiros continuaremos a achar que é normal sentirmos medo da polícia?

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Violento é o Estado

(Impossibilidade de) diálogo e radicalismo

Nesta época considerada pós-ideológica e pós-utópica, a radicalidade se tornou execrável. Somos continuamente alertados acerca da importância do diálogo e insistentemente instados a dialogar. Uma recusa ao diálogo é considerada uma posição radical e, no mínimo, um indício de uma possível tendência à violência. Se dialogarmos, dialogarmos, dialogarmos, todos os nossos problemas serão resolvidos.

Quem é acusado de se recusar ao diálogo e condenado como radical pode não ter tido suas motivações compreendidas, talvez nem sequer tenha havido uma tentativa de compreendê-las, ou então é acusado de não dialogar como uma tática de desautorização de sua fala e de deslegitimação de sua posição, sendo representado, consequentemente, como intransigente e autoritário. Com frequência, essa tática é eficazmente utilizada contra grupos minoritários e movimentos sociais. Não obstante, há também a possibilidade de que um indivíduo ou um grupo deliberadamente se recuse ao diálogo. Antes de tudo, é preciso entender as razões pelas quais ocorre uma recusa, na medida em que pode se revestir de duas formas: (1) a recusa que interdita o diálogo e (2) a recusa como protesto pela impossibilidade de se dialogar, como denúncia contra um falso diálogo, porque os participantes não se encontram em condições isonômicas de dialogismo; porque uma das partes, por causa do poder que possui, consegue assegurar sua permanência no diálogo, muito embora não respeite as regras instituídas que devem ser observadas por todos os participantes; ou porque uma das partes não está efetivamente dialogando, apenas fingindo dialogar, caso do atual governo federal, que finge dialogar com grupos minoritários e movimentos sociais. Nesses cenários, impõe-se as perguntas: é possível dialogar? como dialogar? para que tentar dialogar? vale à pena tentar dialogar?

Em decorrência de processos em curso e de acontecimentos recentes na sociedade brasileira, podemos perguntar: é possível dialogar com os militares da reserva que se insurgem contra a autoridade do ministro da Defesa, reprovam a (insatisfatória) Comissão da Verdade e defendem o regime ditatorial? é possível para os povos da floresta Amazônica dialogar com o governo federal, que, dominado pela ideologia desenvolvimentista, prossegue com o projeto de ecocídio do bioma amazônico? como acredita Vange Leonel, é possível para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais dialogar com o governo federal, que reiteradamente demonstrou não estar preocupado com as necessidades e os direitos da população glbt?

Todavia, não se deve radicalizar, nos advertem. Aparentemente, há aqueles que preferem monologar com quem se conserva em estado de surdez, recusando-se a ouvi-los. A recusa a se ouvir o outro consiste em uma recusa a se reconhecer o outro – em sua existência, em sua dignidade, em seus direitos. Essa atitude não-dialógica difere daquela de quem se retira do diálogo por ser impossível dialogar; essa é a recusa ao diálogo que deve ser denunciada e condenada; essa é uma posição radical (intransigente, autoritária), cuja radicalidade, entretanto, tende a não ser reconhecida. Quem, atualmente, é mais radical do que os militares defensores da ditadura, os empreendedores do agronegócio, os cristãos fundamentalistas?

Em determinadas circunstâncias, a radicalidade não é uma opção, mas uma imposição. A recusa ao diálogo, contudo, não significa necessariamente recusa a todo diálogo – tampouco uma opção pela violência –, mas uma recusa a dialogar, quando não há possibilidade de diálogo, com um indivíduo, um grupo, uma instituição.

Julgo desnecessário acumular exemplos da inaptidão do governo Dilma Rousseff para o diálogo. Encerro com apenas um, o qual, para mim, compreende uma questão fundamental: em um momento em que a continuidade da vida e a existência da humanidade estão ameaçadas, devido à profundidade e à extensão da destruição ambiental, me parece que nos resta somente a ação radical contra o governo federal, para o qual o meio-ambiente e os direitos socioambientais são absolutamente irrelevantes e que, portanto, ao fingir dialogar, na prática se recusa a dialogar.

Ninguém é cidadão

A verdade, da ordem da epifania ou da ordem do horror, talvez se revele inequivocamente, com a potência de uma evidência impossível de ser negada, obliterada ou olvidada, naquelas situações em que o silêncio se impõe, em que nossa voz é reduzida ao silêncio, quando o tempo parece se interromper e, momentaneamente, experimentamos a sensação de que não conseguimos pensar, permanecendo atônitos.

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O que deve falar uma servidora pública, uma representante do Estado, supostamente encarregada de garantir medidas protetivas e reparadoras aos moradores de uma favela que perderam seus lares e foram desabrigados por um incêndio? Há palavras que possam proporcionar algum reconforto? Ou o único reconforto possível, conquanto talvez parcial, pode advir somente de ações reparadoras promovidas pelo Estado?

Se palavras adequadas a ser ditas são difíceis de ser encontradas – supondo-se que possam ser encontradas palavras adequadas quando se está em face de pessoas terrivelmente desamparadas –, há, com certeza, palavras que não podem ser ditas, palavras que a sensibilidade, o bom senso e a civilidade determinam que sejam silenciadas.

Em um acontecimento que ocorreu na cidade de São Paulo, governada por Gilberto Kassab (PSD), não estamos simplesmente em presença de uma impressionante demonstração de insensibilidade, falta de bom senso, incivilidade. Estamos em presença de um instante em que o imaginário do poder é, inadvertidamente, evidenciado:

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Pra morar nesta cidade, pra ser cidadão em São Paulo, que é a terceira maior cidade do mundo, tem que trabalhar, tem que ter um custo e tem que ter condição de pagar. É o preço que se paga pra morar numa cidade como essa. Neste terreno a gente pretende começar um processo de desapropriação.

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Em rigor, nenhuma novidade, todos sabemos como “pretos, pobres e mulatos e quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados”. Contudo, não é todo dia que o poder nos possibilita vislumbrar sem máscaras ou disfarces seu imaginário: a cidadania não é uma condição política, mas uma condição econômica. Em um instante, é revelado o horror da verdade da violência constitutiva do imaginário do poder. Incêndios criminosos são recorrentes em favelas de São Paulo. O tratamento dispensado pelo Estado às vítimas é caracterizado pelo não reconhecimento de direitos ou por um reconhecimento precário. Os moradores da Favela do Coruja, tanto os que perderam seus lares como os que não foram vítimas do incêndio, bem como os moradores de todas as favelas de São Paulo, são aqueles que estão destituídos de tudo, de todos os direitos, aqueles que não têm lugar na sociedade capitalista tardia, para os quais o único lugar possível são as zonas periféricas, como as pequenas cidades, para onde a representante do Estado lhes aconselhou se mudarem, onde, de acordo com ela, poderiam aguentar. Entretanto, único lugar possível ilusório, possível apenas temporariamente, onde podem aguentar enquanto o capital não aprofunda seu domínio. Na sociedade brasileira contemporânea, testemunhamos o progresso do processo de colonização interna, pelo avanço do capital para regiões anteriormente não conquistadas ou parcialmente conquistadas. Testemunhamos também milhares de pessoas serem expulsas de seus lares para que se possa realizar os dois principais hiperespetáculos esportivo-mercantis mundiais. Como todas as vezes, desde o século 19, os que não têm direitos, que não tem lugar, presenciam suas formas de vida serem desestruturadas, seus mundos serem destruídos. Não há nenhuma reparação possível, ainda que o Estado oferecesse uma justa indenização.

Há uma virtude nas palavras da representante estatal, todavia. A virtude da verdade que desnuda o rei em praça pública e nos oferece a visão do horror: verdade que não pode, ao menos de imediato, ser negada, obliterada ou olvidada. Por um instante, a realidade se cinde. Ninguém que esteve em face da verdade pode se excusar alegando desconhecimento. A voracidade e a violência do capital não reconhecem limites, finitudes. A segurança que porventura possamos sentir é tão-somente uma ilusão. Ninguém está totalmente seguro. A segurança perdura apenas pelo tempo em que cada um de nós possui alguma utilidade para o sistema.

Política queer, casamento e o direito a não amar – uma crítica a um texto de Jean Wyllys

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) escreveu um artigo, “Bento XVI e as ameaças contra a humanidade”, para a revista Carta Capital, acerca de uma passagem do recente discurso anual do papa aos diplomatas do Vaticano: “[…] a educação tem necessidade de lugares. Dentre estes, conta-se em primeiro lugar a família, fundada sobre o matrimônio entre um homem e uma mulher; não se trata duma simples convenção social, mas antes da célula fundamental de toda a sociedade. Por conseguinte, as políticas que atentam contra a família ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade”. O texto está sendo muito lido e compartilhado nas redes sociais. Evidentemente, não concordo com a opinião do pontífice e não tenho a intenção de defendê-lo. Todavia, discordo também da argumentação de Wyllys, cujo maior problema consiste no fato de que os problemas que apresenta não estão claramente visíveis, ocultados por uma retórica do amor, sentimento em relação ao qual tendemos a ser simpáticos. O texto é perpassado por um postura de vitimização – a qual tem se tornado recorrente na militância queer brasileira –, caracterizada por um discurso de intenso apelo emocional:

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[O papa] disse que a humanidade é ameaçada pelo fato de dois homens ou duas mulheres se amarem e, por isso, decidirem construir um projeto de vida comum e obter o reconhecimento legal dessa união para gozar de direitos já garantidos aos heterossexuais.

O amor e a felicidade como ameaças contra a humanidade: foi o que afirmou Bento XVI.

O amor, uma ameaça?!

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Wyllys, mas não apenas ele, comete uma extrapolação indevida. O papa não afirmou que as uniões homoafetivas baseadas no amor “ameaçam a dignidade humana e o próprio futuro da humanidade”, mas políticas que julga atentatórias à família, as quais não se resumem somente à legalização das instituições da união estável igualitária e do casamento igualitário. O ataque do papa é amplo, não se dirige apenas a gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Contudo, o complexo de perseguição não permite perceber que para a ideologia católica, bem como para a maioria das ideologias evangélicas, as identidades e os relacionamentos não-heterossexuais são parcela de um conjunto de perigos terríveis que colocam em risco a ordem social e o “futuro da humanidade”. Desconsiderar o conjunto, isolando a problemática queer, implica na impossibilidade de se compreender a ideologia católica, tornando a atividade crítica e a ação política pouco eficazes.

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Dentre todos os desatinos do papa, este foi o que mais me chocou. Talvez porque sua afirmação estapafúrdia e anacrônica tenha violado diretamente a minha dignidade humana de homossexual assumido e orgulhoso de minha orientação sexual e de minha formação científica (sim, porque a afirmação de Bento XVI parte da crença absurda de que o casamento civil igualitário vai transformar todos os homens e mulheres em homossexuais e vai impedir que todas as mulheres da Terra recorram às técnicas de reprodução artificial).

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Mais do que ofensiva à dignidade humana, a declaração do papa é ofensiva à razão, como o próprio Wyllys demonstra no artigo. É um exagero, que deveria ser óbvio, afirmar que as palavras de Bento XVI atentam contra a dignidade humana. As violações à dignidade humana não devem ser banalizadas, passando a abranger práticas as mais variadas, sob o risco da nossa perda de capacidade para discernir situações em que efetivamente a dignidade humana é violada.

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Ora, o amor, como a fé, é inexplicável: sente-se ou não. Não há dicionário que possa defini-lo; só o poeta pode dizer alguma coisa a respeito – fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente – a mas para entendê-lo é preciso sentir tudo aquilo que o papa, os cardeais, os bispos e os padres, pelas regras do trabalho que escolheram desde jovens, são proibidos de sentir – seja por outro homem, seja por uma mulher.

E nós, homossexuais, não ameaçamos ninguém. O nosso amor é tão belo e saudável como o de qualquer um. E merecemos o mesmo respeito e os mesmos direitos que qualquer um.

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Exponho-me a fazer o papel de advogado do diabo. À parte a breguice do primeiro parágrafo, considero desrespeitoso asseverar que um sacerdote católico não sabe e não é capaz de saber o que é amor. Ademais, Wyllys reduz o amor tão-somente a sua forma erótica, ao amor apaixonado. Ele também menospreza todos os sacerdotes católicos que são favoráveis ao casamento civil igualitário ou mesmo ao reconhecimento, pela Igreja, das identidades e dos relacionamentos não-heterossexuais.

A fragilidade, entretanto pouco percebida, da argumentação de Wyllys é a fundamentação do direito ao casamento no amor (apaixonado). Em um Estado Democrático de Direito, duas pessoas adultas, independentemente do gênero, devem ter o direito de se casar civilmente – simplesmente porque decidiram se casar. O Código Civil brasileiro estabelece impedimentos ao casamento (art. 1.521), mas não exige que um homem e uma mulher comprovem que se amam para poder se casar: “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados” (art. 1.514). Wyllys – conquanto talvez não seja sua intenção – termina reproduzindo o discurso da normalidade, que se esforça por construir uma representação positiva – bem comportada e higiênica – das pessoas glbt’s, como tática para a consecução de direitos. Não por acaso, ele descreve o amor dos homossexuais como tão saudável quanto o dos heterossexuais. (Não é possível nem definir nem explicar o amor, mas é possível diagnosticá-lo!) Ao enunciar uma identidade como normal, destituindo-a da diferença que a constitui, o discurso da normalidade produz, concomitantemente, anormalidades. Se existe formas de amor saudáveis, existe, necessariamente, formas de amor não saudáveis. Ironicamente, o deputado recorda os horrores do nazismo, inclusive a opressão e a perseguição a glbt’s, mas utiliza exatamente o vocabulário que a ideologia nazista empregava. Inspirado por um medicina eugenista, o nazismo considerava gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais seres que padeciam de uma doença, cujos corpos e psiques não eram saudáveis.

O asseguramento de um direito não se fundamenta na moral ou no estilo de vida do indivíduo. Uma pessoa glbt não tem o direito de se casar porque ama, muito menos porque seu amor é tão belo e saudável quanto o de uma pessoa heterossexual. Se um veado não ama ninguém e não tem a expectativa de amar, se está interessado somente em trepar e trepar e trepar, se pratica sexo pesado e usa drogas ou, alternativamente, se é abstêmio, ele deve ter, não importa, o direito de se casar, tanto como o homossexual que sonha com um marido e uma família de comercial de margarina, deve ter também o direito de ser protegido contra ameaças ou atos homofóbicos. Vivendo em um Estado onde fosse legalizado o casamento igualitário, o veado poderia morrer de overdose durante uma orgia, enquanto levava no cu dois paus simultaneamente, sem jamais ter se casado, sem nunca ter desejado se casar, mas ele teria tido o direito de se casar, tanto como o homossexual apaixonado e sonhador. Ele não teria feito uso desse direito, mas o direito lhe teria estado assegurado.

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Bento XVI não pode continuar difundindo o ódio e o preconceito contra os gays. Ele não pode dizer que nós, só por amarmos, só por reclamarmos que o nosso amor seja respeitado e reconhecido, somos “uma ameaça”. Aliás, porque esse tipo de frases têm uma história. “Os judeus são a nossa desgraça!” (“Die Juden sind unser Unglück!”), disse o historiador Heinrich von Treitschke, e essa desgraçada expressão, publicada na revista alemã Der Sturmer e logo usada como lema pelos nazistas, deu no que deu. Nós, homossexuais, também sabemos disso: o nosso destino na Alemanha nazista, onde Bento XVI passou sua juventude, era o mesmo dos judeus, só que em vez da estrela de Davi, o que nos identificava nos campos de concentração era o triângulo rosa.

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Novamente, o deputado exagera. As palavras de von Treitschke não foram responsáveis por tudo o que ocorreu após terem sido apropriadas pelos nazistas. Ou o nazismo era simpático aos judeus antes da declaração do historiador? Uma frase apenas não produziu a guerra e os campos de concentração. As palavras do papa são graves e precisam ser criticadas e condenadas, mas tampouco se deve conferir a elas uma dimensão que não possuem, vulgarizando-se o nazismo. Embora acontecimentos contemporâneos pareçam indicar uma expansão dos fascismos em todo o mundo, a conjuntura é muito diferente daquela da década de 1930, sendo equivocado e absurdo insinuar que a declaração de Bento XVI tem o potencial de acarretar entre nós um resultado semelhante ao que a frase de von Treitschke supostamente ocasionou.

Uma política queer, como a concebo, não devem ser movimentos reivindicando o direito de amar de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Há pessoas que não têm o amor, o casamento ou a vida familiar como horizonte. Em um Estado Democrático de Direito, não há um argumento lógico que justifique a interdição ao casamento entre pessoas do mesmo gênero. A questão não conserva relação com o amor. Uma política queer não deve reivindicar uma inserção da população glbt na ordem social, mediante o reconhecimento de direitos pelo Estado. Ao contrário, glbt’s deveriam se representar como ameaças à ordem social e agir efetivamente como ameaças, ameaçando o ordenamento sexista e heteronormativo, ordenamento discriminatório, desigual, excludente, repressivo, violento. O sentido de uma política queer não deve ser a integração e a participação nesse ordenamento injusto, com sua consequente reprodução, mas sua transformação radical, sua superação. Não obstante, ultrapassar o ordenamento sexista e heternormativo não é suficiente, não é possível se limitar a transformar apenas um dos ordenamentos injustos que compreendem a totalidade da ordem social, é necessário relacionar os combates queers aos demais combates que visam à construção de um mundo outro: os combates contra o sistema capitalista, contra as desigualdades econômicas, os combates socioambientais, os combates contra o obscurantismo, contra o fundamentalismo religioso e pela laicidade, os combates contra o racismo, o antissemitismo, o etnocentrismo, o nacionalismo e a xenofobia.

O diálogo impossível com o conservadorismo antidemocrático

Um fato reteve minha atenção durante a sessão da Comissão de Direitos Humanos – CDH do Senado em que foi discutido o PLC n. 122/06, o qual terminou não sendo votado, porque a relatora, a senadora Marta Suplicy (PT-SP), o retirou para reexame: a presença de uma criança, um menino de idade entre 8 e 10 anos, que ora aplaudia entusiasticamente as falas contrárias à criminalização da homofobia, ora vaiava as falas favoráveis. Às vezes, ele erguia um cartaz, o qual era, sem dúvida, o mais idiota dentre todos os confeccionados pelos cristãos fundamentalistas que lotavam o plenário: “Você só existe porque essa lei não existia”. Aparentemente, não sabia o criador da frase que os senadores estavam reunidos para discutir a criminalização da homofobia, não um absurdo e inconstitucional projeto que instituísse a homossexualidade compulsória e proibisse a reprodução humana no Brasil. Um dos problemas que inviabilizam o debate com os setores conservadores é certamente o reduzido nível intelectual do conservadorismo brasileiro. Ignoram e distorcem os fatos; insistem em repetir incansavelmente argumentos ilógicos há muito refutados; não respondem perguntas; não tentam, porque não conseguem, contestar os argumentos contrários – quando não usam e abusam do cinismo.

O garoto homofóbico provavelmente se tornará um homem homofóbico. Quando praticar a homofobia na vida adulta, não faltará alguém que, em ao menos uma ocasião, o acusará de ser um homossexual enrustido, esquecendo ou ignorando que, no mesmo processo em que foi compelido a se tornar heterossexual, ele aprendeu também a odiar todas as formas de manifestação de gênero e de sexualidade contrárias à heterossexualidade normativa. Recentemente, um amigo me contou que cresceu em uma pequena cidade próxima a uma aldeia de índios Kaingang, onde as crianças não índias aprendiam muito cedo a ofender umas às outras xingando-se de “seu índio”. O ódio ao outro é uma educação.

Terminou ontem a 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, promovida pela Secretaria de Direitos Humanos. Em 2008, o presidente Lula discursou na abertura da 1ª Conferência. Em 2011, a presidenta Dilma Rousseff não compareceu ao evento, encarregando três ministros da função de representá-la, ato simbólico da desimportância da questão queer na agenda do atual governo. Ironicamente, o homem nascido em Caetés, que por muitos anos viveu em ambientes intensamente sexistas e homofóbicos – a cidadezinha do interior de Pernambuco, a fábrica metalúrgica, o sindicato – e que fez declarações públicas homofóbicas, foi capaz de refletir sobre suas representações e seus valores, de se autocriticar, de se recriar. Jamais esperei que Dilma enviasse ao Congresso Nacional um projeto de lei propondo a instituição do casamento igualitário. Contudo, nunca imaginei o retrocesso que está ocorrendo nos direitos e nas políticas públicas da população gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual, neste governo. Ou melhor, lançando um olhar para fora do gueto, nunca poderia imaginar o retrocesso em curso nos direitos humanos. É sintomático da política de direitos humanos do governo Dilma que a presidenta não tenha participado de nenhuma das conferências nacionais realizadas este ano, exceto da 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Os direitos socioambientais, os direitos dos povos indígenas, os direitos das comunidades tradicionais certamente são os que estão sendo sistematicamente violados, quando não por omissão do Estado, pela ação do próprio Estado, em um governo em que prevalece uma ideologia desenvolvimentista, para a qual tudo o que se apresenta como um entrave para a consecução do objetivo redentor, o desenvolvimento, que em nenhum momento é objeto de uma reflexão crítica, é considerado uma evidência do atraso que necessita ser superado a qualquer custo.

Do Executivo ao Legislativo a situação não é melhor. Tramitam no Congresso oito projetos que visam a proibir o reconhecimento legal das uniões homoafetivas, propugnando que seja tornada sem efeito a decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a união estável entre pessoas do mesmo gênero à entidade familiar. No começo do ano, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) desarquivou o PLC n. 122/06. No intuito de tentar assegurar a aprovação, efetuou alterações que comprometeram não apenas a letra, mas o espírito do texto. O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou as concessões de Marta às bancadas católica e evangélica, cujos senadores, entretanto, permaneceram irredutíveis: “O que vocês achariam de um parlamentar afro-americano que negociasse uma lei antirracismo não com o movimento negro, mas com a Ku Klux Klan?”.* Houve quem considerasse a comparação exagerada e injusta. A comparação, que não desmerece a trajetória passada de Marta em defesa das pessoas glbt’s, me parece procedente: como a Ku Klux Klan, que se opunha e continua se opondo a todos os direitos da população negra dos Estados Unidos, os cristãos fundamentalistas brasileiros não aceitam a concessão de nenhum direito à população glbt, como evidencia o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), integrante da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara dos Deputados: “A gente respeita, mas o único problema é que não concordamos com o reconhecimento [da união entre pessoas do mesmo gênero] como família. A sociedade não concorda e não aceita. É uma minoria querendo impor à maioria a opção deles. Por exemplo, a gente não concorda que uma criança seja criada por um casal homossexual. Isso é substituir a família”. Acerca da criminalização da homofobia, ele assevera: “Não há necessidade de fazer projeto. A pena é a mesma se você agride um homossexual ou um heterossexual. Você agrediu um ser humano. O Congresso representa a sociedade, se temos número e nos articulamos, é porque a maioria do país não concorda”.

Não olvidemos que as palavras do deputado são polidas se comparadas às de congressistas como Jair Bolsonaro (PP-RJ), João Campos (PSDB-GO) e Magno Malta (PR-ES). Se está convencido de sua posição, Cunha deveria propor imediatamente um projeto de lei que revogasse na íntegra a Lei n. 7.716/89, que pune “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Se não há necessidade de se criminalizar a homofobia, tampouco é necessário que se mantenha a criminalização do preconceito e da discriminação religiosos, bem como do racismo e da xenofobia.

Na sessão da CDH que discutiu o PLC n. 122/06, a ex-senadora Marinor Brito (PSOL-PA), ecoando as palavras de Jean Wyllys e criticando a postura de Marta, sustentou que não há possibilidade de mediação com quem, como o deputado Magno Malta, afirma que não existe homofobia no Brasil. Com efeito, não somente não há como não é nem necessária nem almejável. Toda tentativa de convergência de interesses com quem nega a existência da homofobia, bem como do sexismo e do racismo, na sociedade brasileira é torpe, vil. Significa uma tentativa de obtenção de um consenso (inexequível) com homofóbicos, mas também com defensores da ditadura militar, corruptos e corruptores, promotores do obscurantismo e exploradores da fé, opositores dos direitos femininos, dos direitos reprodutivos e do aborto, das pesquisas com células-tronco embrionárias.

Não obstante, a gravidade do problema – do qual a questão queer, assegurada sua especificidade, se configura como um exemplo – é maior. Estamos vivenciado nos últimos anos no Brasil um recrudescimento dos ataques à democracia, que os setores conservadores se esforçam para que se degenere em uma ditadura da maioria, e aos direitos humanos, o qual ultrapassa o terreno das práticas cotidianas, onde convivemos com os antigos desrespeitos costumeiros – nas ruas e avenidas de São Paulo onde glbt’s são espancados; nos campos e nos territórios indígenas do Mato Grosso do Sul; na floresta Amazônica; nas cidades que sediarão os grandes eventos esportivos de 2014 e 2016, onde milhares de famílias estão sendo expulsas de seus lares e recebendo, quando recebem, indenizações miseráveis –, avançando sobre o terreno da legislação. Naquela sessão da CDH, ouvi os cristãos fundamentalistas entoarem em coro, contra o PLC n. 122/06: “A Constituição não é maior do que a Bíblia”.

O projeto conservador, que não apresenta somente um fundamento religioso, envolve tanto a denegação como a diminuição da proteção legal a diversos grupos sociais, como os povos indígenas. Não há possibilidade de discussão, a qual, como argumentei, não é nem sequer um horizonte ao qual se deva aspirar, porque os conservadores se utilizam instrumentalmente da democracia para combater fundamentos (a dignidade da pessoa humana), objetivos (a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação) e direitos individuais e coletivos da República Federativa do Brasil, constituída como Estado Democrático de Direito. O que está em causa não são apenas os direitos de tal ou qual grupo minoritário – glbt’s, mulheres, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais –, mas a própria democracia e os direitos humanos, a laicidade e a pluralidade, a justiça social.

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* Na discussão que opôs a senadora e o deputado, podem ser feitas críticas a Jean Wyllys também. Se ela, movida por nobres intenções, se equivoca, parece se alhear da realidade e estabelece acordos espúrios, ele, ao reagir à acusação de que se conduzia com má-fé, se arrogou um papel para o qual não foi eleito, como demonstra este tweet, datado de 8 de dezembro: “É difícil para a senadora compreender que se ela é uma aliada histórica, eu sou um homossexual que conhece no corpo o peso da homofobia”. À parte o fato de que heterossexuais também são vítimas de homofobia, como quando assumem uma posição política em defesa dos direitos da população glbt, é difícil para Wyllys compreender que a circunstância de ser homossexual não lhe confere nenhuma posição privilegiada para discutir a homofobia, dentro ou fora do Congresso. Importa tão-somente seus argumentos, não sua orientação sexual. Ele pode se apropriar de sua experiência pessoal para pensar a homofobia, um problema social, mas de nada valerá a possível força de sua experiência se seu pensamento for fraco. Ele não possui uma autoridade enunciativa superior a de nenhum homem ou mulher heterossexual. Marta não é aliada de ninguém. Não existem aliados da questão queer. Existem defensores dos direitos glbt’s, que podem ser gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e, também, heterossexuais – simplesmente porque não existem aliados dos direitos humanos, mas apenas defensores ou opositores. A defesa dos direitos glbt’s é uma defesa dos direitos humanos.

(Este escrevinhamento foi publicado originalmente, sob o mesmo título, no Amálgama, em 19 de dezembro de 2011.)

Toda pessoa tem direito à integridade física – mesmo uma criança

Por que uma pessoa ou um casal decide ter filhos? Ou, reformulando a pergunta: por que alguém decide se reproduzir?

No Ocidente, casar ou viver maritalmente e ter filhos são considerados hoje opções e não obrigações, muito embora a maioria das pessoas solteiras sintam constrangimento pela vida celibatária, a solidão persistindo como um signo de fracasso social, e julguem que precisam se casar ou encontrar um companheiro ou uma companheira, do contrário jamais experienciarão uma vida plena. A paternidade e a maternidade também deixaram de ser consideradas obrigações. Todavia, são opções e, concomitantemente, fatos naturais. Raramente alguém se faz as seguintes perguntas: por que eu quero ser pai? por que eu quero ser mãe? por eu desejo ter um filho? A vontade de ter filhos dispensa uma justificação racional, o desejo sendo justificado pelo próprio desejo. Prevalece não os interesses do filho a ser concebido ou em gestação – ou que se pretende adotar –, mas os do(s) adulto(s). Sendo a paternidade e a maternidade compreendidos como fatos naturais, homens e mulheres adultos não costumam se perguntar: tenho eu condições emocionais de ser um (bom) pai ou uma (boa) mãe? o que tenho eu a oferecer a uma criança?

O direito que assiste a um pai e a uma mãe de castigar fisicamente os filhos se assenta em um duplo fundamento. Primeiro. A criança é um outro em uma relação de dominação. Como a mulher, o negro, o índio, o homossexual, a criança se caracteriza por possuir um défice, que justifica que seja mantida dominada. Segundo. A criança é uma posse. Na maioria das famílias brasileiras, o pai e a mãe podem dispor livremente dos corpos infantis dos quais são possuidores. A criança não se constitui como sujeito, é constituída como um objeto. Consequentemente, não é detentora de direitos. Se o é, seu direito à integridade física pode ser excepcionado em situações em que o direito de um adulto não poderia sê-lo, ou seja, em situações que não se configuram como de legítima defesa.

Se se considera a criança não um objeto, um pertence, mas um indivíduo cuja alteridade deve ser reconhecida e respeitada, um sujeito portanto, não resta possibilidade de que os direitos do pai e da mãe possam se sobrepor aos direitos dos filhos. Torna-se irrelevante discutir se, em determinadas circunstâncias, uma palmada é ou não necessária, se uma palmada é ou não traumática. A criança é um sujeito e a integridade física do outro, salvo em legítima defesa, deve ser respeitada, incondicionalmente.

Aos pais que invocam o direito de bater nos filhos uma sugestão: experimentem o sadomasoquismo. Provavelmente encontrarão um adulto que gosta de se fantasiar de criança e de apanhar, em quem poderão bater consensualmente.