Um amigo que votou em Marina Silva nas últimas eleições presidenciais me confessou que, a despeito da admiração, sente dificuldades para continuar apoiando-a. Tenho pensado muito nas palavras dele nos últimos dias, em decorrência do partido político criado por iniciativa da ex-ministra do Meio Ambiente dos governos Lula. A intensidade da atração exercida por Marina me parece ser tão intensa quanto a rejeição que provoca. Tive o privilégio, privilégio porque foi uma experiência bela, de ouvi-la falando publicamente, anos atrás, na época em que exercia seu primeiro mandato como congressista. Marina não era tão famosa no Brasil. Lembro-me de que a amiga que estava sentada a meu lado me perguntou quem era ela. Socioambientalista brasileira de renome mundial, natural do Acre, foi amiga e companheira de luta de Chico Mendes, atualmente é senadora pelo Partido dos Trabalhadores – respondi. Era uma noite de 1999, no Museu da Imprensa Nacional, em Brasília. Nos anos que se seguiram, acompanhei com admiração sua atuação política, mas votei em Dilma Rousseff no primeiro turno das eleições presidenciais. Não me arrependo da minha escolha, simplesmente porque foi uma escolha que fiz com convicção. Contudo, a convicção não elude a possibilidade de mau julgamento, de equívoco. Não pretendo votar novamente em Dilma, para qualquer cargo eletivo. Teria preferido votar em Marina? Acho que Marina estaria, na condição de chefe do Poder Executivo Federal, exercendo uma atuação superior à de Dilma? Sou bacharel em história, não preciso que ninguém – didaticamente e, talvez, sarcasticamente – me explique que não posso asseverar o que teria acontecido se. Não me empenho em dispender meu tempo em exercícios vãos. No entanto, tenho a impressão de que estaria satisfeito com um governo de Marina, quando não demonstro satisfação nenhuma em relação ao governo de Dilma. Não tenho intenção de tentar expor meus motivos, tampouco de convencer alguém, simplesmente porque se trata tão-somente de uma impressão. Acredito que ao menos algumas importantes transformações socioeconômicas talvez pudéssemos estar vivenciando, transformações que, evidentemente, não vivenciamos e não vivenciaremos em nenhum governo de um presidente eleito pelo PT. A impressão nasce de um sentimento de empatia por, de uma identificação com, de uma confiança em Marina, que não pretende racionalizar. Por mais racionais que tentemos ser, subsiste um âmago de irracionalidade na ação política. Somos movidos também por um patos político. Sem paixão, jamais haverá revolução. Não pretendo votar novamente em Dilma e, provavelmente, não votarei em Marina caso ela torne a se candidatar à Presidência da República. Interessa-me sua agenda socioambiental, da qual decorreu, no decurso das últimas três décadas, uma relevante atuação nos combates socioambientais, iniciada quando, para muitos de nós, incluo-me neste nós, a questão ecológica se reduzia ao espetáculo midiático da preservação do mico-leão dourado. Tenho muitos amigos que votaram em Marina para presidenta – o amigo referido no início do escrevinhamento é apenas um deles. Tenho amigos que estão engajados no processo de construção do partido de Marina. São todos pessoas que admiro intelectualmente. Não consigo acompanhá-los, contudo. Se a agenda socioambiental de Marina me interessa, a influência de seus valores religiosos sobre suas ideias políticas, suas posições ou suas tentativas de não se posicionar em relação a questões como direitos femininos e direitos glbt’s, e parcela de suas alianças religiosas e políticas não me permitem partidarizar com Marina. Não obstante, conquanto Marina não exerça sobre mim atração, não exerce também rejeição. Ela merece minha atenção. Estou convencido de que suas ideias e propostas políticas socioambientais precisam ser discutidas. No cenário onde nos encontramos, um cenário que não está se abrindo, mas um cenário que está aberto há, no mínimo, um século, o problema que enfrentamos é a própria possibilidade da continuidade de existência da vida humana no planeta que nós, animais humanos, habitamos e estamos destruindo. Marina desempenha um papel importante nos combates socioambientais. Portanto, na questão socioambiental, prefiro estar ao lado de Marina, ainda que seu posicionamento possa não me parecer suficientemente radical, e não pretendo que minhas convicções nos campos das questões anticapitalista, feminista e queer me impeçam de escutar o que ela possa ter de relevante a dizer acerca de outras formas de vida e de relação com o mundo natural. Para mim, Marina, como afirma Eduardo Viveiros de Castro, faz as pessoas pensarem, ou, se se preferir, pode nos ajudar a pensar – e urge que pensemos.
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